Desde o início da pandemia por Covid-19, que um pouco por toda a parte se voltou a ouvir falar em quarentena, uma palavra desconhecida do léxico de muitos e por outros conhecida mas quase impensável de acontecer, devido a estarmos em 2020 e termos acesso a cuidados e serviços de saúde que pareciam infalíveis. Contudo alguns aperceberam-se que tudo é ténue, e pode quebrar-se e acabar a qualquer momento da forma que conhecemos. E em pleno ano de 2020 deparamos-nos com uma doença para a qual ainda não sabemos qual a cura ou tratamento adequado.
As doenças epidemiológicas que exigem quarentena, deixaram de ser frequentes na população Portuguesa e os Lazaretos foram substituídos por hospitais e cuidados médicos que evitam as quarentenas e o isolamento social, como sejam medicamentos eficazes no combate a certas doenças, vacinas, meios de diagnóstico e tratamento avançados que permitem identificar doenças e preveni-las e assim evitar isolamento.
Contudo ainda existem vestígios do passado que nos remetem a situações idênticas àquela que estamos a viver actualmente. Mostro hoje um desses exemplos, às portas de Lisboa e que serviu a população Lisboeta e possui uma ligação ao mar e aos navios.
Tratam-se das ruínas do Lazareto de Lisboa, ou também conhecido como Asilo 28 de Maio, em Porto Brandão, Almada, sobranceiro ao rio Tejo.
Lazareto é um edifício próprio para quarentenas, com capacidade para receber e desinfectar pessoas e objectos provenientes de lugares onde existam doenças epidémicas ou contagiosas. Teve a sua origem como um dos dispositivos criados no combate à lepra, considerada uma doença muito grave e que atingiu o Ocidente pela Idade Média. Doença que ainda hoje existe mas é facilmente curável com medicação. Tiveram uma boa aceitação social, devido à segregação e isolamento social dos doentes da restante sociedade.
Este soberbo edifício com uma vista deslumbrante sobre Lisboa, actualmente ao abandono, foi o centro de acolhimento aos suspeitos de infecção com doenças contagiosas, à chegada a Lisboa, quando o meio de entrada ainda eram os navios e ainda não existia aviação comercial.
Terminada a construção do actual edifício em 1869 (151 anos depois a história repete-se!), mas existindo já desde 1570 neste local, o edifício apresenta planta em forma de ferradura, que permitia a ronda de militares para controlo daqueles que tentassem quebrar o isolamento a que eram ali sujeitos. Fazem parte destas ruínas espaços que foram jardins interiores, cozinha, salões e corredores que ligavam as áreas de enfermaria com as de quarentena.
O acesso era feito desde o cais existente na base da escarpa, onde actualmente se situa parte de uma unidade industrial, e ao longo desse acesso ainda existem as ruínas dos armazéns de desinfecção de bagagens. Bem no centro da construção é possível ainda ver uma enorme chaminé que fazia parte do forno crematório, onde eram cremados aqueles que não resistiam às doenças que traziam consigo, nos navios, de países assolados por doenças infecto contagiosas.
O edifício possuía também um cemitério anexo onde eram enterrados aqueles que pereciam. Este edifício efectuava o serviço sanitário do Porto de Lisboa e a quarentena abrangia também as bagagens e mercadorias dos navios, que eram sujeitas a desinfecção em câmaras de desinfecção próprias, devidamente equipadas. Uma figura célebre que aqui permaneceu em quarentena foi Rafael Bordalo Pinheiro, o célebre escultor e criador da figura Zé-Povinho, na sua viagem de regresso do Brasil. Ali escreveu um livro, com o título No Lazareto de Lisboa que pode ser facilmente obtido na internet de forma livre.
Sabe-se que em 1919 já se encontrava fora de funções. A partir de 1928 (há 92 anos) foi ali instalado o Asilo 28 de Maio, uma dependência da Casa Pia de Lisboa, que servia de alojamento feminino para indigentes. Por volta de 1960 (+-60 anos), o edifício foi abandonado após uma derrocada parcial do edifício em que houve vítimas mortais.
Desde então encontra-se ao abandono, sendo propriedade do Estado mas sem entidade conhecida pela sua tutela, embora o acesso esteja fechado e com sinais de alguma vigilância por entidades ou pessoas desconhecidas. É só um dos melhores lugares com vista sobre Lisboa, onde os doentes nunca se queixaram da paisagem que lhes era proporcionada nos longos dias que ali eram sujeitos a permanecer. Tal como em todos os outros episódios da história muitas outras histórias este local guarda, mas que não se enquadram no principal objecto deste blogue, os navios. Na região de Lisboa existem mais ruínas de edifícios deste tipo, mas as quais não estão ligadas aos navios, tal como esta está.
Contíguo a este espaço existe um outro monumento de interesse patrimonial e
classificado como monumento nacional desde 2012, o Forte de São Sebastião da Caparica cuja história se encontra ligada também a este edifício e à protecção militar da entrada do rio Tejo. Ambos se encontram em situação de abandono. Aconselho a visita virtual aos seguintes links para obtenção de mais informação sobre este sítio:
1 2 3. É também fácil aceder a algumas fotografias recentes deste espaço disponibilizadas na internet.
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O lazareto quase imperceptível no seu abandono, no topo da chaminé do Ventura, visto desde Lisboa. |
Quando os passageiros entram ou saem de Lisboa certamente que reparam neste edifício o qual hoje demos a conhecer neste blogue, pois não passa nada despercebido, a sua imponência e estado avançado de degradação. É facilmente observado por quem navega no Tejo e mesmo a partir de Lisboa. Existe quem defenda a sua reconstrução e aproveitamento para outros fins, devido ao elevado valor e localização que possui, porém parecem não existir meios para que tal aconteça.